O Suporte Insuportável

 

Imagino o que não vi, ou o que parcialmente vi, assim  num movimento paralelo ao da autora pré-vejo e, de algum modo, projecto.

Falo destes objectos sem corpo, destas superficiais sem forma certa, destes contentores sem conteúdo, coisas moles, suportes, mas... do quê?

Interessará talvez lembrar uma genealogia possível, recuando quase quarenta anos para falar das coisas moles que Richard Serra, Robert Morris ou Bruce Nauman então propuseram, ou descer mais ainda, às figurações moles de Dali citando do próprio a “terrificante e comestível!” Arte Nova?

Esta exposição parte de um exercício que tem estudo e história atrás, porém interessa agora virificar o seu funcionamento. Ele depende de cada um de nós! Se me permitem um testemunho pessoal, o aspecto visceral destes objectos imediatamente me transportou a lugares de preparação militar em tempos de guerra (colonial), e a um exercício, nocturno e iniciático, que me conduziu a um escuro corredor todo ele preenchido por um penetrável de tripas com suas matérias, de onde finalmente emergi coberto de sangue e excrementos, depois de atravessar essa barreira-fronteira que marcava o ponto final no percurso.

Agora, ao imaginar o funcionamento destes objectos, sinto-os também como outras tantas fronteiras, da visão e do corpo, do dentro e do fora.

“O meu corpo é o teu corpo é o meu corpo” dizia utópicamente Zé Ernesto de Sousa falando de um mundo que (ainda?) não há, do mesmo modo estes habitantes do Reservatório da Patriarcal são meus, teus e nossos, fronteiras de um olhar que não se fica pela epiderme. Daí a utilização dos estetocópios para olhar, ouvindo, no interior do corpo, o pulsar do sangue, a vibração do ar.

Entre o ar e a água, suspensos, deitados, cheios, vazios, estes seres ambíguos são fronteira a atravessar, são também suportes para as mais diversas memórias. No que me diz respeito até se podem transformar em suportes do insuportável, pela coincidência da sua matéria com a minha memória; assim este exercício pode funcionar eficazmente como uma armadilha para o espectador olhar para dentro de si no tempo e no espaço.

 

 

José Luís Porfírio

Setembro 2000

 

 

 

 

 

Habitar o corpo

 

O corpo como lugar de ser habitado

de ser habitáculo do outro

do outro-ser, do outro-ente

num contínuo esvaziamento de si

num devir do vago pleno.

 

habitar            sentir temporário de um lugar

lugar               local em contínua circunscrição

corpo              campo imanente da transcendência

 

 

Isabel Correia

Setembro 2000

© 2014 Isabel Correia